sábado, julho 29, 2006

Diário de Viagem

Férias, férias, férias. Tento dar um tempo da conexão com o mundo. O lugar [refúgio] é sempre o mesmo. Aqui, não consigo colocar um cd pra tocar. Dá impressão que eu estaria deturpando o som agradável que a natureza proporciona. Som do mato, dos pássaros, da borboleta pousando na flor, da formiga caindo no chão. Aqui as coisas seguem o seu percurso natural, elas podem e nós podemos ver. Como olhar uma formiga andar no portão da casa da minha madrinha... heim? Qual foi a última vez que você observou uma formiga andar, ou que simplesmente notou que uma formiga está passando, ali na sua frente, e que ela não tem medo de você?
O silêncio contrasta com o barulho [às vezes insuportável] que a minha família faz. Toda a família, e ela não é pequena. São dezenas de tios e tias, e centenas de primos, caras que eu nunca vi, entrando ali pela porta, e para as quais eu preciso sorrir e dar boa noite. Como sou muito espevitada, já vou logo perguntando se os conheço e quem são.
Aqui a gente tem que almoçar na casa de um e jantar na casa do outro, e entre as duas refeições, o café da tarde, que é na casa de outro alguém. Quer dizer, se passou pela minha cabeça perder alguns quilinhos nas minhas férias, eu não lembro mais, porque a vida me obrigou a esquecer disto. Aqui não se emagrece nunca, só se come. E come de tudo. A tiarada faz um prato para agradar cada filho e cada neto e cada sobrinho [ou seja, ela precisa fazer frango, porque a Melissa não come carne vermelha, e ela faz, só que se esquece de que eu não sou capaz de comer um frango inteiro...]
Agora, agorinha, escuto todos estes sons que eu disse. Pássaros, mato, gente martelando alguma coisa, um ou outro carro que passa e agora agorinha um trem que passou silencioso no trilho, que é logo ali. A rua é sem saída e a paisagem [um campo verde onde pastam vacas] é cortada pelo trem que passa a cada três horas. Aquela empresa ALL [América Latina Logística], aquela. Levando óleo Soya e mais algumas coisas. Eu me lembro de quando via os trens desta empresa, antigamente, caindo aos pedaços. Agora são tão novinhos... dá vontade de subir no vagãozinho [cargueiro] e ir junto. Até São Francisco do Sul.
Minhas primas de segundo grau estão brincando, e gritando, e sendo felizes. Eu fico, também, porque é tão bom ser criança... aposto que por um bom tempo a vida vai ter esta mesma cara para estas menininhas: sol, céu azul, passarinhos, grama para rolar e se sujar e se sujar sem pesar. Pra falar a verdade, eu não sei se no meu caso a vida perdeu esta cara...
E passeios. De modo que ontem fomos à um mirante [já fui umas duas vezes quando era criança, mas me lembro de não ter sentido medo!!!!]. Você sobe com o carro, e sobe, e sobe, e sobe, e depois que sobe tudo, estaciona o carro ao lado das antenas da RBS [que dá interferência no alarme do seu carro], você sobe mais alguns milhares de lance das escadinhas amarelas em forma de caracol. E enquanto vai subindo, Joinville vai subindo atrás de você, ali na beirada dos seus pés. Super ok, porque eu estava de saia, mas consegui dar um jeitinho. Poderia ter deixado pra lá, afinal, estou de férias. Férias de tudo, inclusive das preocupações e dos pudores também. Mas por quê dar um show à parte? Não. Eu puxei a parte de trás da saia enquanto subia, como se estivesse vestindo um shorts. E quando chegamos lá no topo, notamos que o mirante treme, enquanto os outros sobem. Aquilo é muito alto, minha gente. Muito alto. A sensação é que você não tem peso nenhum e que ao primeiro pé de vento, vai sair voando sobre Joinville e – claro – sair na página dos jornais do dia seguinte: “Queda no mirante provocada por pé de vento faz vinte vítimas”.
Felizmente, quem tem medo, tem vida. Estou viva, aqui contando a história pra vocês. E a Vivi, a cachorrinho, está dormindo, esticadinha no chão fresco da garagem, numa vida boa, muito muito boa. Claro, está calor. E é isso. Aqui a vida é tão calma, que até os meus pensamentos são lentos. A tarde é tão vazia, que a minha cabeça está pela primeira vez vazia. Não, não vai ficar pesada, depois. Eu acho que mereço isso.
***
Das tias choronas
As tias choram. Sempre e todas. Choram quando a gente chega, choram quando a gente fala e choram quando a gente vai embora. E a gente chora também, porque eles são irmãos, se amam, e ficam tristes quando precisam se separar [enfim, quando a gente tem que ir], e aí eles choram e todo mundo chora e isso é terrível.
Do passado que nunca passa
Então, né. Este povo adora lembrar do passado [das coisas que já passaram, especialmente das coisas ruins]. São dez irmãos. Eram doze e dois morreram. Foram criados numa fazenda, pobre. No inverno não tinham calçados para colocar nos pés. Não tiveram infância, porque logo cedo [ainda bebês] tinham que ir com o pai para a roça. E é aquela história típica no Brasil. Pobreza, alcoolismo... os irmãos mais velhos criavam os mais novos. Os irmãos mais velhos que se casavam, levavam os irmãos mais novos - bebês - que nasciam, para criar. Os irmãos mais novos, os caçúlas, sairam de casa com quatro, seis e sete anos.
E minha mãe veio para o São Paulo e começou a trabalhar em casa de família, até conhecer o meu pai. E toda vez que minha mãe e meus tios se encontram, se desandam a falar das mesmas coisas que eu escuto desde criança, porque eu sempre estive ao lado deles quando tiveram chances de se ver. Parece que têm necessidade de conjugar o verbo *sofrer* juntos. Talvez eles precisem disso para que as lembranças doam menos...
De como este povo grita
Não é fácil aguentar um reinado de sulistas cantando e ainda por cima, gritando no seu ouvido. Um não. Vinte.
De como este povo come
Muito. Muita carne [fico fora desta]. Muuuita comida. Muito pão. No sul a fartura é muita e come-se o dia inteiro.
Das cobras
Fazem vinte e sete anos que eu freqüento a casa dos meus tios em Joinville, e especialmente a da minha madrinha, que fica literalmente no meio do mato. Mas eu nunca vi uma cobra, nunca nunquinha. Graças à Deus, porque eu morreria de susto. O fato é que eu estou sempre contando com a possibilidade de levantar um tijolo e encontrar uma.
Ao lado da casa da minha madrinha, havia uma casa abandonada. Eu me lembro que esta casa era abarrotada de moscas. E o povo de lá foi embora, e a casa foi mofando, mofando, ficou completamente abandonada, e o mato em volta começou a crescer muito, crescer bastante.
Desta vez, a casa estava sendo reformada [mesmo assim parte havia sido demolida] e o terreno ao redor, foi limpo. Eu me perguntei quantas mil cobras foram encontradas e minha madrinha me disse que o pedreiro matou oito bichinhos. Oito! E uma delas, num dia de enchente, foi parar na porta de casa da minha tia [desta uma]. Uma dócil jararaca. Ela se enrolou no portão, e o tiozinho que estava passando, a matou. E não contente em me contar o causo, soube de muitos outros. A cobra que foi encontrada embaixo do forninho elétrico. Uma outra que minha outra tia matou no caminho da cozinha para a lavanderia. A outra que foi encontrada no quintal. E a outra, e a outra, e a outra.
Daí eu pensei assim... Previsão do tempo para os próximos dias em Joinville: frio e chuva. Cobra odeia chuva. Elas procuram um lugar quentinho.
_ Mãe!!!! Reserva mais um lugar no carro, que eu vou voltar com vocês.
[é muito pior e assustador encontrar uma cobra dentro de casa, no forninho elétrico, do que no meio do mato]
Das vacas
Na estrada, as vacas pastam em campos totalmente íngremes. Mas elas ficam super ok, firmes e fortes, sem sentirem vertigens e contra a lei da gravidade...
[vai entender...]
Do cagaço
Você sabe o que significa cagaço? A perfeita definição de cagaço é quando você está dentro de um carro, em plena BR 116 [Regis Bittencourt] e você percebe que a motorista está cochilando. Como se não bastasse, a motorista passa o carro para uma tiazinha [no caso, minha mãe] hipertensa, que nunca pegou numa direção hidráulica e que NUNCA dirigiu na BR [muito menos à 140KM/H).
Felizmente, eu sobrevivi para contar a história!

3 Comentários:

Anonymous Anônimo disse...

Mas eu acho que você deveria comer carne vermelha, principalemnte pela recomendações médicas. Não se esqueça que carne vermelha faz parte de uma alimentação balanceada.
Beijos!

9:36 AM, julho 31, 2006  
Anonymous Anônimo disse...

Corrigindo...

"principalmente pelas recomendações médicas.

9:37 AM, julho 31, 2006  
Blogger Perséfone disse...

hahahahahaha!
Eu sabia!!!!

11:35 AM, julho 31, 2006  

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