terça-feira, junho 13, 2006

"não tenho nada na cabeça, a não ser o céu... não tenho nada por sapato, a não ser o passo"

A cada quatro anos eu preciso consultar meu cardiologista. Meus santos. Anjos. Orixás. Guardiões e elfos. Tudo aquilo em que acredito ou que ao menos sombreie a minha imaginação, porque na hora do aperto, todas as personagens dos contos de fadas e dos mitos estão lá, juntas, no grande sofá do Jardim dos Vagalumes, torcendo e vibrando e chorando... e morrendo...
A cada quatro anos eu tenho certeza de que está (quase) tudo bem com este coração que às vezes é novo e às vezes envelhece um pouquinho, até rejuvenescer em seguida, quando canta, quando vibra, quando morre e quando renasce.
A cada quatro anos eu avanço em idade e maturidade, ou retrocedo em juventude. Eu saquei isso há quatro anos atrás, quando o Brasil, com dois jogadores à menos em campo, ganhou da Inglaterra, com um belo gol do Ronaldinho. Cara, aprendi tanto com aquele jogo! Eu achei que não conseguisse trocar de marchas nas aulas de volante, e o Brasil conseguiu ganhar aquela partida... tantas vezes desisto e me envergonho um segundo depois, quando me lembro que havia várias desculpas que aqueles nove jogadores teriam na ponta da língua pra amarelar, mas ao invés disso... ah... ao invés disso eles colocaram o coração nos pés e a bola na rede. E ganharam aquela partida.
E pelo menos há cada quatro anos eu me orgulho do meu país. Este país tão sofrido e tão atrapalhado, cheio de colarinhos e frangalhos. Onde um sujeito que rouba um pedaço de árvore protegida pelo Ibama vai pra cadeia e uma mocinha que mata o papai e a mamãe está curtindo o sol visto da janela de alguma sacada ali pelos Jardins. Mas eu me orgulho, viu. O país do menino dos pés descalços, que dá duro desde cedo, que conta os trocadinhos pra comprar pão e passa por baixo no busão até pelo menos uns quinze anos de idade. Depois ele começa a crescer, esticar, e andar pra cima e pra baixo com a bola na mão, procurando a turma pra brincar. Ele ali no campo de areia esquece das imagens que vê durante o dia, da novela da falta de dinheiro, de comida, da mãe que apanha, dos irmãos que fogem de casa ou se perdem entre as guerras de uma das duas tribos. Ali no campo de areia, ele suja os pés e vira só um moleque, brincando com a bola com a experiência de uma parteira, e com a graça de um malandro vestido de branco e dançando na ponta dos pés. Ali ele curte e sorri seu sorriso largo e marmota. E num segundo, vê ali pra frente, uma ponta do futuro, uma imagem, um sonho, uma miragem. Alguém lhe pergunta o que houve. Nada, velho, ele responde. Pensei que vi um negócio, mas nada não.
Era a taça, a bandeira, a fé e a graça que ele via.

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