Já faz tempo que eu preciso escrever sobre isso. Sabe, um dia um cara me perguntou o que eu diria se eu encontrasse com Deus. Eu respondi, com toda a educação, que eu já converso com Deus, todos os dias. Mas esta semana eu cheguei à conclusão de que se Deus se materializasse na minha frente, eu lhe faria uma pergunta, olhando nos olhos, que eu realmente gostaria de saber... gostaria que Ele me convencesse da explicação para isso.
_ Por quê têm que existir pessoas que dormem na rua? Que não têm ninguém no mundo? Porque eu durmo em uma cama quente, com cobertores, com leite quente, com conforto e segurança, enquanto pessoas dormem sobre o chão frio de concreto?
Eu sinceramente não faço idéia do que Ele me responderia.
Eu não sei direito porque gosto tanto dos caminhos mais difíceis, mas o fato é que eu adoro voltar do trabalho via Hospital das Clínicas. Pego um ônibus na Av. Ibirapuera até o HC, e lá eu pego um ônibus que vai até a minha rua, mas eu preciso andar um pouco.
Enquanto eu fico esperando o Lauzane passar, na Av. Dr Arnaldo, em frente às bancas de flores (que eu adoro ficar olhando e se pudesse compraria várias), observo um senhor que fica sentado no ponto. Me chamou a atenção o fato de eu saber que ele estava totalmente lúcido, ali. É um senhor de barbas grisalhas e pele negra. E fica olhando para o chão, e seu olhar é lúcido, não é um olhar de uma pessoa embriagada - pelo álcool ou pela loucura. Ele não vai me incomodar e não me põe medo. Juro. Seus olhos demonstram resignação e tristeza - ah, e solidão. Muita solidão. Eu sinto vontade de sentar ao lado dele e começar a falar alguma coisa. De lhe dar outro cobertor e um colchão, porque ele vai pendendo para o lado enquanto pega no sono. Sinto até vergonha de subir no ônibus. Eu queria poder ao menos descobrir a fórmula de como acabar com a solidão das pessoas. É aquela velha história, fodidos todos nós estamos, mas se ao menos pudermos dar algumas risadas - juntos - tudo fica mais leve e a gente quase consegue esquecer do resto.
E eu me fiz esta pergunta... Papai do Céu, porquê???
***
Cada dia que passa, me convenço de que preciso tomar uma das seguintes atitudes: andar com minha câmera digital (velha e ferrada) na bolsa, ou fazer uma pequena dívida e comprar uma câmerazinha decente... porque existem coisas, minha gente, que não adianta a Melissa correr para seu blog e registrar. Por mais eficiente que ela seja, ela não vai conseguir captar a "poesia das imagens" (parece frase-feita, mas forjem: é a primeira vez que estão lendo esta expressão de poesia das imagens).
A não ser que a poesia esteja nos meus olhos e não nas imagens, hahahaha... quer dizer, eu mostro para vocês e vocês olham e tal e revidam: sim, e? Como sim, e???? O homem está puxando um carro de mão, repleto de coisaradas e tralhas. O homem é uma figura, usa uma boina e seus cabelos batem no ombro (meio rastafari, mas o cara é branco). E sobre o carrinho, lá no alto das coisaradas, das tralhas todas, lá está ele: posudo, grande, sarcástico, sim, sarcástico: um cachorro. Bonito. Dá vontade de roubar pra mim. Todo limpinho, parece mesmo um rei. E bem no alto, observando a rua, sem medo de cair. Entre o homem que puxa e ele, uma quase-cumplicidade. Ele sabe que não vai cair de lá de cima e o homem puxa o carrinho como se estivesse balançando um berço.
O homem que puxa o carrinho e o vira-latas. O homem acorda todas as manhãs e a primeira coisa que faz (seja lá onde for que ele acorda) é lavar o seu cãozinho e lhe escovar os pêlos dourados. O cãozinho (seja lá qual for seu nome) está acostumado a ser tratado à pão de ló.
Imaginem um desfile, destes de 15 de Novembro. É este o cerimonial, o ritmo, a pose, a imagem. Só que ao invés de pompa, é simplicidade. Ao invés de vários, somente um homem. Ao invés de adornos, somente um carrinho. Ao invés de aplausos, somente um cachorro.
***
E teve o dia que eu estava indo para o teatro, o Macunaíma. Eu adoro o centro. As casas são antigas, os prédios. O ar é meio aristotélico, meio simples. A feirinha no final de semana, as velhinhas andando pelo bairro com seus carrinhos de feira e os restaurantes servindo frango-assado. Nada me escapa. Eu andando tranquilamente, indo encontrar meus amigos na escola (ex-escola), escutando música. Ali na frente tem alguém jogado na calçada. Eu não sei direito se o cara está vivo e não vejo seu rosto. Mais adianta, vem vindo uma dona. Destas que não olham pro lado. Conduzida por seu poodle. O poodle percebe "algo" atrapalhando a passagem, na calçada. O poodle pára e cheira o homem (ou o que resta dele). A dona o observa e espera, como se estivesse esperando uma criança aprender a dar seus primeiro passinhos. Observa com paciência e doçura no olhar. Ela ama seu cachorro, ele é a razão da sua vida. O cachorro levanta a perninha e faz xixi sobre o homem, que não reage.
Melissa continua seu caminho, já não escutando nem música, nem nada.
***
Não sejamos a dona, nem o poodle. Nem o homem. Nem a Melissa, se a Melissa continuar vivendo vestindo sua pose de voyeur, tendo tanta capacidade e vontade de agir e ...
...passando reto.
0 Comentários:
Postar um comentário
Assinar Postar comentários [Atom]
<< Página inicial