O que a gente sabe onde vai dar...
Eles eram diferentes, mas a porção principal, ali, era igual, tanto em um quanto em outro, o que os tornavam muito parecidos. Ela, às vezes intelectual. Às vezes porque nem ela agüentava muito este papo fino demais, culto demais, fresco demais, ateu demais. Fugia de todos os homens cultos, todos os que eram uma enciclopédia ambulante porque não existe mais um Santo Agostinho: homem culto e católico. Muito embora ela saiba que hoje em dia a coisa está tão difícil que basta que ele saiba fazer o sinal da cruz, vá lá. Mas não são assim, os homens. Se sabem demais, duvidam demais. Enfim. Ela, algumas vezes intelectual e outras sendo apenas uma menina. Ele, um sem-rumo. Sim, lê jornais. Mas ela o perdoa, porque também achou Dom Casmurro um saco. Eles se entendem porque são parecidos de jeito. Gostam de observar: pessoas, coisas, bichos. Quietinhos. Ela sabe que ele gosta de se aninhar em seu ombro e ela adora quando ele faz isso. Sabem todas as letras dos Paralamas. Cantam juntos quando ele dirige. Ele dirige e ela toma água e olha a estrada, ou as ruas. Ela canta, ela ri, ela beija sua bochecha. Ele faz carinho no queixo da menina, que se desmancha. E sempre quando chegam no destino, seja qual for ele, ela já está dormindo, com a cabeça encostada no vidro e a baba escorrendo pelo rosto. Ele vê e explode em ternura. Depois tira sarro, esconde a parte dos carinhos. Ele olha as meninas na rua e ela finge que não vê e finge que não sente ciúmes. Ele a protege quando atravessam as avenidas. Ele ajuda na decoreba dos textos. Odeia teatro mas nunca perde uma peça dela. Ela odeia cerveja, mas está sempre ao lado dele nos bares, porque precisa dirigir o carro quando ele encher a cara até cair. Ela balança a cabeça e o leva até o carro e não o coloca debaixo do chuveiro gelado porque fica com dó. Ele sempre quer que ela vá junto mas não sabe explicar bem porquê. Ela sabe quando está sobrando, mas nem assim ele deixa de cuidar dela. Um olho na gata e outro na menina. Eles adoram andar descalços, isso depois de muito tempo até que ela perdesse a vergonha do pé. Ele se diverte. Eles fazem tudo juntos. Ou nada, mas sempre juntos. Andam no parque, treinam o inglês, olham os cachorros, tomam caipirinha, sorvete. Ela dorme na casa dele quando ele está triste. Ele vai até a casa dela quando ela não quer sair. Ele gosta de olhar enquanto ela dorme mas ela ainda não sabe disso. Eles colecionam cartões telefônicos e conversas jogadas fora. Ele dorme no ombro dela quando vão ao cinema assistir comédia romântica. Ela faz o mesmo quando o filme é de ficção científica. Ela cobre as mentiras dele para suas namoradas. Ele fura os encontros pra tomar sorvete com colher de sopa, junto com ela, no sofá da sala. Ela é a única pessoa que o viu chorar. Ele detesta quando a vê chorando. E ele sabe que ela chora muito. Ele odeia quando ela veste preto e adora quando veste azul. E ela adora quando ele tira a camisa. De vez em quando eles ficam comparando os tons de pele. Ele não deixa que ela fique na praia depois do meio dia. Ela sabe quando ele fica de mau humor e sai de perto. Sabe quando ele quer ficar sozinho. E ele sabe quando ela fica de mau humor e sai de perto. Sabe quando ela quer ficar sozinha. E depois que acaba a fase, eles simplesmente ficam ali no sofá sentados, um do lado do outro, sem dizer nada e sem precisar dizer. Até que um dos dois ache graça no silêncio e comece a rir. Eles adoram rir juntos. Rir deles e da cara dos outros. E eles adoram andar na chuva. E tudo de bom que aconteceu na vida dos dois foi debaixo da chuva. E agora eles estão correndo e está chovendo. Eles iam ao cinema. Resolveram esperar debaixo de um toldo. E agora eles brincam de dar beijinhos. Assim ele resolveu dar um beijo na amiga. Mas isso já faz uma hora e ainda não conseguiram terminar o que era pra ser só um beijo...
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