"A sua saudade corta como aço de naváia..."

Vó!!!! Que saudades... que saudades... que saudades... tava vindo pra casa e não sei porquê me lembrei da senhora quando eu olhei para as goiabeiras. Depois piorou, porque o céu tava todo colorido e eu lembrei do entardecer que eu via de menina, lá na sua casa... lembra? O sino tocava, da igreja e a senhora dizia, lá do fundo, quase resmungando:
"seis horas..."
Dizia pra quem quisesse ouvir. Amo aquela igrejinha porque olho pra ela e me lembro da minha avó e das missas que a gente assistia quando eu dormia na sua casa. Faz muito tempo e a gente cortava caminho pelo córrego, que hoje não existe. Ali são casas e casas e mais casas. Tô passando agora bem perto da sua casinha, que meu pai quer vender e meu coração está quebrado, mil pedacinhos. Mas eu fico quietinha porque meu pai sabe o que faz... Me desculpe, me perdoe... mas não tive coragem de ir mais lá... eu até iria: plantaria muitas flores, arranjaria uns três cachorros pra encher aquele quintal enorme e um gato, porque gato nunca podia faltar, né? Foi a senhora que me ensinou a chamar gato... e a não encostar nas taturanas porque elas queimam. E a virar as pedras para caçar tatus e rir porque eles viravam bolinhas! Demais sua coragem porque você jogava sal na lesma e ela ficava laranja. Eu adorava assistir a agonia da lesma.
Até hoje ninguém acredita que a senhora teve um cachorro chamado Peter. Só eu me lembro, que ele era pastor alemão e que tinha uma casinha que era enorme porque eu era criança... fica sendo então um segredo nosso... segredo em branco, como todas as vezes que eu sonho com você, o cenário do sonho é todo branco, branco, branco...
Ah, vó... que saudade! Vó devia ser pra sempre. Quer dizer, a minha avó É pra sempre... mas seu colo me faz falta! Seu jeitinho engraçado de mexer o chá mate com a colher de sopa... a melhor canja de galinha do mundo e do sistema solar. A pizza quadrada. O bolinho de chuva. Os gominhos de laranja no jardim. As histórias de gatos e de coelhinhos pra eu dormir. E quando eu acordava de manhã com o som do seu chinelinho arrastando no chão...
E o seu sorriso quando me via acordar!!!
Não, não consigo mais entrar na casinha. Tudo vazio, silencioso e ao mesmo tempo parece que nada mudou... está tudo lá do mesmo jeitinho e, nos meus sonhos, ainda vejo a sua cabecinha se inclinando pra trás na poltrona, olhando o nosso carro que acaba de chegar...
Era um tempo que parece que ficou no fundo do baú embrulhado em papel celofane, delicado, intocável... e que quando me lembro vejo nitidamente o balão dos aniversários da Melinda, em Junho, que subia, subia, subia... e corria no céu... subia e a gente sabia que ele tava indo pra longe, mas a gente não queria perder o balão de vista. E se perdia, a gente chorava. Sua lembrança caminha junto com a criança que eu nem sei se deixei de ser... são imagens às vezes distantes, que voam, voam, como o balão. Mas não se preocupe, vózinha. Ficarei olhando sem jamais perdê-la de vista...
Te amo pra sempre.
[foto: Vó Maria com a minha irmã Melinda]
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