A palavra é: generosidade
Sempre estive na posição de fazer tudo para todos. Desta vez, existiu quem fizesse tudo para todos... incluindo a mim. Me senti arredia. Eu queria participar e podia. Faltou confiança e talvez, mais participação, comunicação ou mesmo iniciativa. Ninguém tem culpa. As coisas são descobertas com o tempo. Mas estou escrevendo isso aqui, porque desta vez eu me vi no lugar de algumas pessoas do passado. Um pouco de diferença, sim. Mas este sentimento de impotência ou de desmerecimento, ou de não ter sido creditada... me fez me colocar em seus lugares [o passado]. Faltou a generosidade que era necessário para que as pessoas saíssem de seu mundo e de sua "zona de conforto". Faltou um voto de confiança, pra que as pessoas descubram seu potencial. Porque um dia, alguém fez isso por mim, e é por isso que hoje eu acredito no que eu sou capaz de fazer.
A vida é generosa, esta sim.
***
Anish Kapoor, artista indiano, chegou em São Paulo e foi convidado para expor uma de suas obras em pleno Vale do Anhangabaú. Quando chegou lá e montou sua obrinha, ao olhar em redor e perceber crianças que poderiam ter a idade de seus filhos, assustadas com a "monstruosidade desconhecida" - crianças cheirando cola e totalmente desfamiliarizadas com qualquer tipo de arte e sem qualquer acesso à cultura - o artista se chocou com uma realidade que lhe era até então desconhecida. "Estava trazendo uma coisa estranha para o lugar público, que, de certa forma, era deles. Me senti como um estrangeiro invadindo o seu espaço. Foi quando eu pensei em tentar fazer algo de bom. Se eu conseguir tirar pelo menos uma daquelas crianças da rua, já será maravilhoso", disse ele ao Estado de São Paulo nesta segunda-feira.
De sua sensibilização diante da realidade paulistana (onde meninos drogados já são parte do contexto), nasceu um projeto que acolhe os meninos e meninas de rua das imediações. Eles são chamados para participar de oficinas de arte no local da instalação do escultor.
Incomodado com este abismo social, o artista decidiu integrá-los à instalação e pediu ao curador que organizasse algo - o Projeto Ascenção, Arte para Elevar a Vida.
Kapoor se dispôs a doar a obra para a cidade, caso possa permanecer no local e seja dada continuidade às oficinas de arte. Já se conseguiu patrocínio de colecionadores de arte para bancar o custo do projeto. A prefeitura - que precisa se responsabilizar pelo aluguel do espaço - ainda estuda a proposta.
Enquanto isso, na Oca, do Parque do Ibirapuera, as megas exposições "Leonardo da Vinci - A exibição de um gênio" e "Corpo Humano: Real e Fascinante", patrocinados respectivamente pelo Banco Bradesco, a instituição de educação superior Anhembi Morumbi e a Amil, rolam, badaladíssimas, para quem puder pagar os R$30,00 da entrada em ambas.
Moral da História:
Otto Lara Rezende diz que nossos olhos estão "dormentes". Já não enxergam mais, não têm o frescor de quem vê as coisas pela primeira vez. O menino sujinho, de pés descalços e olhos vermelhos, a lata de cola, tudo isso já faz parte da paisagem paulistana. Foi preciso vir um cara lá da Índia pra que alguém os notasse, marginalizados e sem nenhum acesso à qualquer fonte de ressocialização. Foi um indiano que viu o brilho nos olhos dos meninos, por trás do vermelhidão ocasionado pelas drogas. E os monitores do projeto comemoram cada vez que um deles passa para o lado de dentro da oficina.
Claro... isso não é problema seu.
1 Comentários:
Mel, perfeito este texto. É de uma rara sensibilidade entre os comentários que costumo ver a respeito de artes. A gente costuma dizer que a Arte pode mudar o mundo (ou pelo menos a mente das pessoas que podem mudar o mundo), e é diante de atitudes como a do Anish Kapoor que essa máxima se torna mais crível. Exposições como a do Da Vinci (que por acaso eu ainda quero ver), podem até contribuir para a cultura de um punhado de gente, mas não passam de blockbusters como os filmes hollywoodianos. Agradam, enchem os olhos, às vezes até te fazem pensar, mas depois de uma semana se perdem na sua realidade, na realidade de tantos ao seu redor.
Enfim, tudo isso pode parecer demagogia, e alguns vão dizer que o que o indiano está fazendo é muito pouco perto do tanto que esses meninos - e tantos outros no Brasil precisam. Mas encher de arte os olhos e o coração dessas crianças pode ser o toque que faltava para elas mudarem suas vidas (não devemos subestimar mesmo o poder da arte). E, se ainda há muito mais por fazer, pelo menos ele está fazendo alguma coisa - quando perguntaram à Madre Tereza como ela conseguia ajudar e amar tanta gente, ela respondeu que não conseguia. Que na verdade ela só conseguia amar um de cada vez, e ajudar um de cada vez, e de um em um acabou ajudando milhares. Que sabia que isso ainda era só uma gota no oceano, mas sem essa gota o oceano seria um pouquinho menor.
Enfim, Mel, desculpe o comentário gigantesco, mas é que realmente este é um tema muito tocante, o tipo de coisa que me sensibiliza demais, e o texto é lindo. Parabéns! E me deu uma idéia, aqui... Deixa eu amadurecê-la um pouco e daí eu te conto.
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