sábado, novembro 04, 2006

Anônimos


[Escrito enquanto esperava o último metrô do dia]


À meia-noite, o segurança do Edifício República tranca o portão. Ele pega a flanela na gaveta e esfrega no vidro, para que possa ver a rua. Enquanto deixa o ar entrar na cabine, fuma um cigarro do lado de fora. Está frio. Ele balança as cinzas, que caem no jardim, e observa os taxistas conversando, em frente ao bar. A rua está semi-deserta. O segurança entra na cabine e liga a mini-tevê. Pega a garrafa de café e enche a caneca. A tevê não pega bem. Todos os dias, à meia noite e dez, o segurança dá um tapa na mini-tevê e olha atento a programação, enquanto toma seu café.

À meia-noite e vinte um, o auxiliar de limpeza já está com todos os sacos de lixo preparados. Ele aguarda o metrô chegar, e se posiciona no primeiro vagão. Cinco minutos depois, o metrô vem. É o último da noite. O auxiliar de limpeza joga todos os sacos dentro do vagão, um por um. Todos os dias à meia noite e vinte e oito, o auxiliar de limpeza acena para o metroviário, cujo rosto ele vê no espelho e depois segue o seu caminho.

Á meia-noite e trinta e dois, o vendedor de churros prepara seu último churro. Cada dia escolhe um recheio diferente. Depois, desliga o forno e limpa as colheres e adereços que usa. Todos os dias à meia-noite e trinta e sete, o catador de latinhas come um churro quente e fresco. Todos os dias, à meia - noite e quarenta e cinco, o vendedor de churros fecha o cubículo, na praça do Terminal Santana e segue o seu caminho.

O taxista escuta o barulho. Acena para o vendedor de churros. O metrô apaga as luzes. Passa o último ônibus. Não há ninguém na rua. O cachorro se acomoda embaixo do banco de cimento. É o Zé. Todos os dias à uma hora, o cachorro Zé procura um banco seco para descansar. Mais três se juntam à ele. O mendigo dança. Outro se enrola na manta de estopa. Os taxistas se despedem. E seguem seu caminho.

Silêncio. O segurança do edifício república volta a limpar a janela embaçada. Do outro lado da rua, a luz do casebre está acesa. O homem segura uma caneca quente. O segurança vê o vapor e o homem sem camisa. Por um momento, seus olhares se cruzam. O homem acena. Ele responde.

Todos os dias, à uma e meia da manhã, o auxiliar de limpeza chega em casa e toma uma xícara de leite quente. O segurança cochila, hipnotizado pelo chiado da mini-tevê. O mendigo dorme, ao lado de Zé. O outro lhe dá um pedaço da manta.

E no deitar do dia, compartilha-se a dignidade do trabalho, o cansaço do esforço, a dor da solidão.

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