Conheçam o Coelho.

Minha mãe me contando o modo como meu Coelho Amado morreu. Foi se desmanchando com o tempo, a pelúcia. Primeiro a cabeça. Depois o resto do corpo. Ai. Doeu. Disse: pára, mãe. Isso é muito forte pra mim. Eu era pequena, mas eu sei que o Coelho me amava. Sabia de todos os meus podres, quando eu chupava o dedo, quando eu matava formigas, quando eu fingia que estava com dor de alguma coisa só pra ganhar danone. Mas apesar disso tudo, o Coelho me amava, assim, cheia de manias.
Ah, Coelho. Que falta você me faz, Coisinha. Você era todo desengonçado, mas eu te adorava, e você nem ligava porque não precisava se preocupar em ser lindo. Ainda que pra mim você tenha sido sempre o Coelho mais lindo. Tudo teria sido mais fácil se eu pudesse ter te levado comigo nas consultas com a psicóloga. Talvez eu tivesse sido menos ruim, já que com você ao meu lado eu era sempre uma boa menina.
E eu não teria dormido na cadeira da dentista se você estivesse ali comigo, para me perguntar o que eram aquelas coisas todas que ela colocava na minha boca. E quando eu caí, no quintal da Érica, e quebrei meus dentinhos da frente, eu tenho certeza de que você teria feito a dor e o susto passar, rapidinho... teria gritado no meu ouvido: heloooooo... todas as vezes em que eu deixei uma oportunidade passar, e o grito ensurdeceria meu lado burro, a ponto de eu desistir da idéia antes e mais rápido do que a velocidade da burrice. Teria batido na professora da segunda série que gritava no meu ouvido [essa sim, mas o efeito era contrário]. Teria mordido o joelho da louca do pré que arranhou o meu braço e teria salvo minha melhor amiga naquele acidente...
Você era o único a quem eu teria escutado, se pudesse me dizer suavemente para tirar aquele laço de cima da cabeça... teria me feito companhia nas sessões de choro, me passando os lencinhos, silenciosamente, e tornado meu quarto menos deprimente e mais alegre.
Eu queria te contar os meus segredos, as viagens, as coisas que eu aprendi e descobri e choramingar na tua orelha peluda porque eu quero um namorado. E queria te dizer que vieram as barbies, a bicicleta, vieram muitas coisas, mas nenhuma coisinha me entendia como você, me amava como você, me protegia como você.
Acredita em mim. Eu juro. Ah, eu sei que não preciso jurar, você sabe! Estou escrevendo de madrugada, estou usando salto alto. Aparentemente e de vez em quando, sou uma mulher. Mas acredita em mim quando eu te digo que você ainda existe, Coelho. E aquela garotinha, que chorou quando você caiu da escada, também.
E quando ela lembra de você, tira o salto alto e veste as meias...
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