Sépia
Cenas:
_Air BP Melissa Boa tarde!
_ Quem fala?
_ É a Melissa...
_ Oi Melissa. Aqui é o Gilberto, não sei da onde. Por favor, a Luciana?
_ Coelho?
_ Gilberto!!!!!!!!!!
(hahahahahahahaha. Explicando, afinal não são todos os que entenderão: existem duas Lucianas dentro da empresa, e o sobrenome de uma delas é Coelho...)
O professor entra mudo, enquanto a turma não cala a boca. Começa a passar a matéria na lousa, e todo mundo copia, na maior cara de pau, sem fechar a boca. Entre outras coisas, diz assim:
"as notas promissórias podem ser utilizadas entre pessoas físicas e ainda, entre pessoas físicas e instituições financeiras".
Mais uns minutos e o moleque pergunta:
_ Pssor! Tá errado ali! É entre pessoas físicas e pessoas jurídicas! O senhor escreveu pessoa física duas vezes!
O professor de matemática, um velhinho dedicado e sagaz, vira o corpo lentamente para trás, e volta-lhe um olhar arregalado, cheio de piedade e espanto, enquanto ferozmente circula a conjunção aditiva.
***
Putz, juro que às vezes dá vontade de deitar a cabeça no colo de alguém. O vento ruim passou, hoje me senti bem. Era segunda-feira, mas parecia meio de semana. Nem pesava. Nem ruía. Até ri. Daquele jeito de serelepar pelo corredor deixando ecoar as risadas de criança sapeca. Até esqueci de dar feliz aniversário à alguém. Interrompi sua teleconferência para perguntar-lhe se levava o chaveiro de rapel pendurado no cinto. Arregalou-me os olhos e achou graça. Comi bolachas, almocei mais tarde. Tomei água. Nem abri o jornal, porque tem dias que eu não tenho paciência. Queria fazer tudo o que não cabia num dia, num passo só. De vez em quando, no meio da bagunça, sinto tanta emoção que dá até vontade de chorar, chorar de bobeira, mesmo. De vez em quando eu me lembro de pessoas que nem sei se ainda existem. Pode ser que já sejam outras... e o tempo se emenda e se transforma em vários tempos num só. Várias épocas numa só, várias memórias. Dias coloridos em sépia, em sépia estão meus pensamentos. Voltam um pouco, não muito, mas o passado é tão sagrado e tão frágil que só pode estar colorido em sépia. Assim uma foto envelhecida, mas nítida. Nítida como se fosse próxima, como se nada nos separasse, o ali e o aqui. O cá e o lá. Somos um, mas em diversas cores. Eu queria ser várias, ah, queria. Pra estar onde quisesse. Leve como uma pluma, aquela pena que fica voando na primeira cena do Forrest Gump (eu chorei quando vi). Ela voa e voa e voa... ninguém nem percebe o que está acontecendo, mas olhe! Olhe bem! Olhe como voa! Olhe como ela vai longe, leve, onde quiser, onde tiver que ir, onde lhe permitir. Que saudades que eu sinto de momentos que pararam no relógio. E se eu voltar o relógio pra trás? E se atrasar os ponteiros, e tentar encontrar por um instante um pouco que seja desta existência incandescente que cresce na eternidade?
Pensei em você!
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